uma biblioteca para mamíferos


Este estudo fala daquilo com que lidamos todos os dias: uma população com uma densidade cultural bastante baixa. Eu tinha esperança que fosse só um problema de Peniche, no entanto depois de vir para a universidade reparei que, apesar de inteligente, a maioria das pessoas é profundamente desinteressada do mundo que as rodeia. Não é confundível com apatia ou défice de algo: as pessoas vivem, divertem-se, estabelecem relações entre si como acontece com qualquer outro mamífero no planeta.

Cada vez que leio comentários sobre a construção da biblioteca municipal, lembro-me de há uns tempos quando me dirigi à atual. Estranhei a biblioteca estar vazia, tirando uma senhora que sentada numa mesa lia um livro. A certo ponto, a senhora levanta-se e começa a varrer – era a funcionária da limpeza.

Isto levanta uma questão: é legítimo gastar milhões num projeto ao qual a população não vai aderir?
Os apoiantes diriam – é um investimento, não um gasto. Mas até que ponto o investimento na cultura aumenta a procura cultural de uma comunidade? Depois do nosso cinema, que não tinha público, fechar, a câmara foi projetando uns filmes de vez em quando, para uma sala também muito pouco cheia.
Não será que as bibliotecas são como os Mercedes que os emigrantes só tiram da garagem quando vêm à província? Não serão, que nem quilos de luzes de Natal empoleiradas numa fachada, uma forma de inflacionar o valor cultural de quem as constrói?

O mesmo se passa com tantas outras coisas: companhias de teatro, RTP2… qual o interesse em financiá-las com dinheiro público se a população não adere às suas propostas?
Os leitores perguntarão se não estou a ser contraproducente, eu que sou um profundo poço cultural. No entanto aconteça o que acontecer os meus interesses culturais estão sempre salvaguardados, porque o mercado não se rege segundo a norma the winner takes it all. Sim, a Casa dos Segredos tem vinte vezes mais audiência que um documentário sobre o Padre António Vieira, mas cada espetador desse documentário daria vinte vezes o dinheiro para o ver que os da Casa dos Segredos dariam para ver o seu programa, logo a produção cultural de qualidade é sempre minimamente viável.

Uma apologia do dinheiro então? Sim, atendendo que para quem a consome a cultura não é um sacrifício. É um prazer e deve ser pago como tal. Os outros só a querem para mostrar aos primos lá da aldeia, que é como quem diz, para aparentarem ser uma grande figura cultural que esconda o pacato mamífero que na verdade são.

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