#2013 #photos #peniche #maniadashashtags

E como nos estamos a despedir de 2013, vamos ficar com algumas fotos tiradas no decorrer do ano. 
E que daqui a um ano ainda estejamos cá todos. (é um desejo um bocado macabro mas pedir mais para 2014 seria abusar da sorte)
























Devido talvez à apatia da sua gente ou à falta de um acendrado amor bairrístico tem esta vila [Peniche] vivido sempre na obscuridade.

António da Conceição Bento

caldeirada repescada #8 cilindros

Zé Pedrosa fez aqui há tempos referência ao estado de degradação em que está o antigo cilindro da câmara, sugerindo a sua integração numa rotunda.
Há pouco tempo eu dei com outro cilindro, o de Viseu, exposto à entrada do seu politécnico:


Aprecio bastante esta ideia de meter um elemento importante para a população num sítio em que não incomode nem atraia demasiadas atenções, mas de alguma forma enriqueça o espaço em que está.
Eu creio que o nosso cilindro ficaria muito bem num espaço aberto como o Parque Urbano ou o da Prageira. Não seria nada de espetacular, mas são pormenores assim que distinguem uma cidade de um monte de prédios.

originalmente publicado em 21 de outubro de 2012

#nojento #vómitos #prefiromorreracomerestabudega

Bolachas com minhocas ou gafanhotos salteados com legumes são algumas das propostas de um projecto da Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar de Peniche, para inovar nas receitas e substituir a carne e o peixe no prato. (...) Gafanhotos salteados com legumes, gengibre e molho de soja a acompanhar com cuscuz ou tomate seco com gafanhotos ou grilos são algumas das mais de uma centena de receitas já inventadas pela equipa.

in Sol (via Peniche Online)

turn on the bright lights #7


Descreio dos que me apontem
uma sociedade sã
isto é o que foi ontem
e o que há-de ser amanhã

António Aleixo

senhor perdoa-lhe

Vamos aproveitar este Natal para nos lembrarmos de algumas criaturas marginalizadas pela sociedade, e dar-lhes um pouco da nossa atenção. Uma delas é o cantor Carlos Costa. Não se esqueçam de nas vossas orações interceder para que este pobre ser tenha acesso às portas do céu. O quanto antes possível.

SABIAS QUE...
Carlos bebe café com palhinha?

O cantor é conhecido pela sua aparência bonita. Por ter a noção da sua beleza natural, e sendo também um artista com grande atenção do público, Carlos tem todos os cuidados possíveis com a sua imagem, e não se desleixa em qualquer detalhe que possa destoar, seja o cabelo, o uso bem pensado de maquilhagem, a roupa que veste e, também, o cuidado com os dentes e a boca.

Carlos tem grande cuidado com o que come e bebe, tendo uma dieta apropriada e fazendo ginásio, mas como qualquer pessoa também por vezes ingere algo fora do seu plano, como um hambúrguer ou um café.

No caso do café, o cantor recorre a um truque para que não manche os seus dentes, que é bebê-lo por uma palhinha, para que o líquido não toque nos dentes e portanto, não os escureça. Segundo o cantor, são um pormenor importante e que tem de ser cuidado, especialmente enquanto cantor.


REDIGIDO POR:

Pedro Marques

da ousadia


"Ousadia" é o título desta notícia do Correio da Manhã sobre a produção que Liliana Santos fez para a Men's Health. No entanto, esta produção em nada ousa, visto que responde àquilo que espera quem compra uma revista masculina - gajas boas.
Não quer isto dizer que uma revista masculina não seja capaz de ousar: em 2009, a Playboy portuguesa foi a primeira a nível mundial a ter uma capa só com um homem:


Isso sim foi ousado. Poses provocantes em revistas da especialidade nem por isso. A não ser que a modelo seja a Dra. Teodora Cardoso... (alguém me tire esta imagem da cabeça, já!)

relevação

António Sousa Homem é afinal um heterónimo de Francisco José Viegas.

O que é a aparição de Fátima, comparada com a parição do país inteiro? A aparição foi um milagre, mas a parição, mediante a qual parece aos Portugueses tudo o que eles não têm maneira ou vontade de saber, também é milagrosa.
As tribos primitivas abrem as entranhas às galinhas. Noutros países deitam-se cartas ou lêem-se as folhas do chá e do manual do Escuteiro-Mirim. Aqui nada disso é necessário porque a verdade parece-nos como aparece a verdade aos videntes. Se Moisés fosse português, escusavam de lhe estar a aparecer os Mandamentos. Teria preguiça de subir à montanha, olharia para o pico, e, esfregando as mãos na toga, diria "Isto parece que vai dar direito a Mandamentos".

Miguel Esteves Cardoso

turn on the bright lights #6


Cada vez estou mais convencido que o Ray Manzarek criou aquele solo no Light My Fire porque o Jim Morrison precisava de ir a casa.

Nuno Markl

caldeirada repescada #7 o restaurador de peniche

Nas últimas semanas, temo-nos divertido com o caso da restauradora de Borja, uma velhinha espanhola que se achou à altura de restaurar um retrato oitocentista de Cristo, com um resultado arrojado:


No entanto, nós próprios temos o nosso restaurador de Peniche, com a diferença de usar espátula e cimento em vez de pincel e tintas. Aqui está uma das suas obras:


Este menino fica na zona de atividade noturna mais movimentada da cidade e em frente à entrada da concorrida marina de recreio, sendo por isso das primeiras coisas que quem chega por mar a Peniche vê.
Eu não faço parte do poder local, mas se alguém fizer, gostava que às vezes olhassem duas vezes para certas coisas. Nem sequer é para pedir explicações a quem deixou que tal acontecesse, mas para que pusessem alguém a resolver este tipo de situações. Com um bulldozer como ferramenta de trabalho.

originalmente publicado em 6 de setembro de 2012

licenciatura, o martírio dos autodidatas

Daniel Oliveira foi atacado pelo Correio da Manhã em relação aos seus estudos superiores e escreveu um texto a defender-se. Ora bem, nós do Correio da Manhã não podemos esperar nada que sequer mereça a tinta com que foi impresso, mas esta defesa do Daniel Oliveira também não me sossegou muito. Acontece que se candidatou a um mestrado sem ter concluído a licenciatura, o que segundo o
próprio é "absolutamente legal e comum". Diz Daniel Oliveira que "regressar ao 1º ano de licenciatura, pelo menos como elas hoje são, não me estimularia especialmente" e "o mestrado pareceu-me um bom compromisso para ler coisas um pouco diferentes daquelas que habitualmente leio, ter de pensar de forma mais estruturada e consequente sobre alguns assuntos que se relacionam com a minha atividade profissional e, se fosse o caso, ter fazer um trabalho final sobre um assunto que na altura me interessava especialmente", o que de facto parece ser muito aliciante para o estudante, ou melhor, cliente da universidade, mas muito fraquinho para o empregador e consumidores do trabalho jornalístico. No entanto, é um erro fazer disto um caso pessoal, até porque Daniel Oliveira não está sozinho: "Aliás, há vários jornalistas veteranos não licenciados que fizeram mestrados e doutoramentos, com teses bastante interessantes. Tive alguns como colegas no próprio mestrado".
No fundo, se um jornalista pode tirar mestrado sem ter feito licenciatura desde que apresente provas de que trabalhou na área, e lá está, se é possível entrar na área sem ter a licenciatura, é porque a licenciatura em jornalismo é completamente inútil. Daniel Oliveira fez bem, livrou-se dessas cenas secantes como o Direito da Comunicação e da Informação, Redacção Jornalística, Técnicas de Expressão Escrita, Métodos de Pesquisa e de Investigação, e outras tretas irrelevantes para uma carreira jornalística. Enfim, escolheu a fina flor da ciência em que se formou. E eu só espero que o Expresso continue a deixá-lo escrever as suas excelentes crónicas, porque se um dia Daniel Oliveira tiver de fazer outra coisa em jornalismo que não escrever crónicas, pode não correr tão bem.

para matar saudades



Graças à erosão, a Lagoa de Óbidos deixa de ter comunicação com o mar. É mais uma etapa num longo processo de assoreamento. (a ligação será retomada entretanto, mas a partir de agora é preciso manter uma intervenção humana constante)

mercedes vs jaguar: chickens edition



Acabou de acontecer outra vez. Ia partilhar convosco uma má notícia, fazer um comentário azedo, e a meio apaguei tudo. Outros posts mais pesados escrevi mas acabei por não publicar.
Mesmo que diminua a frequência de atualização e futilize um bocado o blog, vou continuar com esta auto-censura que me faz mandar para o lixo grande parte do que escrevo e tentar só deixar aqui coisas positivas.

PS: a omissão não deve ser entendida como um consentimento - não estamos bem nem vamos ficar melhor. Mas para tragédias já bastam as primeiras páginas do Correio da Manhã.

assim se vê

Apesar de todas as suas falhas, o Facebook tem o mérito de ser um meio que serve o bom funcionamento do regime de democracia representativa em que vivemos, ao facilitar o contacto entre os eleitores e os seus representantes. Nobre tarefa que também não seria possível sem a abertura mostrada pelos líderes políticos que respondem aos insultos e elogiam as sugestões, como exemplarmente tem feito Jorge Amador.

Até que a morte não nos separe.

Esta notícia já tem algum tempo. No entanto, está tão bem escrita e o seu conteúdo é tão intemporal que de vez em quando tem de sair no armário e vir confrontar-nos com a sua coerência.


Nenhum sinal de vida. Corpos: escuros, com presença de larvas, sombras alienígenas do que terão sido. Hora e causa do óbito: por apurar. Quando a polícia e os bombeiros entraram finalmente no apartamento e encontraram os corpos na cama, a filha de Manuela, de que ninguém sabe o nome, trancou-se no carro, enorme nos seus remorsos e culpa, e dali não saiu. Do outro lado da rua, Sandra e Paulo, que tinham passado dias e dias a ligar para a PSP a pedir socorro, mal viram um agente vir na sua direcção tiveram a certeza: "Eles estão mortos."

Manuela e Ludgero Matias, ela com pouco mais de 60 anos, ele já nos 70, tinham sido vistos pela última vez havia 18 dias. Nesse sábado, ao fim da manhã, Manuela chegou ao café da esquina com um novo corte e uma nova cor de cabelo, mais avermelhada, mas desta vez pouco falou. A Sandra e Paulo pediu apenas que cuidassem do Dusty, o seu pequeno cão branco arraçado de minitoy, até quarta-feira, data em que ela e o marido regressariam de uns dias em casa do irmão. Entregou-lhes um saco, passou a trela para a mão de Paulo e abalou sem uma festa no cachorro. Os dois entreolharam--se: "Então mas não nos pergunta se podemos ficar com o cão?" E outra vez, com Manuela já fora do ângulo de visão: "Que estranho. O Ludgero não sai de casa há anos, nunca quer sair." A surpresa adensou-se ainda mais quando chegaram a casa e abriram o saco: lá dentro estavam todas as malhas e roupas de Inverno que Manuela comprara para proteger o Dusty do frio. Mas porquê, se naqueles dias de Setembro o calor ainda nem dera tréguas? "O melhor", incentivou Paulo, "é ires lá a casa, Sandra, ver se está tudo bem."

Horas depois, Sandra bateu à porta de Manuela e Ludgero, com a desculpa de que faltavam brinquedos para o Dusty. Ludgero, com quem Sandra tinha frequentes picardias, estava nervoso e saiu a disparar: "Não demores muito, nem mais um minuto, que o irmão da Manela deve estar aí a chegar." Manuela estava especialmente fria, de cabeça baixa. Outra pergunta ríspida de Ludgero, ainda vestido de pijama e roupão: "A minha mulher pagou-te tudo?" Há uns meses que Sandra fazia limpezas lá em casa e passava a ferro. Acenou que sim, mas era mentira. Manuela, com receio de que o marido a castigasse pela má gestão do dinheiro, levantou ligeiramente os olhos e uniu as mãos como quem diz "Deus te abençoe". Na sala, entre um sofá e outro, Sandra viu uma mala castanha, de napa, mas estranhou que estivesse tão mole e pouco recta. Quando chegou a casa exclamou: "Paulo, tenho a certeza: a mala estava vazia."
Porque estariam a querer afastá-los?

Manuela e Ludgero, saídos de casamentos despedaçados, conheceram-se em Odivelas. Uns anos depois de vida em comum, ela perdoou-lhe as noites no Cais do Sodré, acreditou nas promessas de fidelidade eterna e aceitou casar-se. Há oito anos decidiram mudar-se para outra freguesia dormitório e compraram um apartamento ali, em Santo António dos Cavaleiros, Loures. Consta que Manuela queria fazer obras em casa mas a tralha que acumulava era tanta que a única solução que encontrou para não ter de levar tudo para um armazém foi convencer o marido a comprar uma nova. No prédio de 15 andares e 90 apartamentos, onde pelo menos 180 pessoas entravam e saíam diariamente, poucos sabiam quem eram, de onde vinham, se tinham ou não familiares. "Isto é um mundo cão, claro que eles passavam despercebidos", atira uma moradora. Havia até quem não soubesse os seus nomes, como a vizinha da porta ao lado, que, ao fim do 18.o dia colada à morte, não aguentou mais o odor que dava vómitos e correu para a esquadra da polícia a pedir ajuda. Já se tinha perguntado "se o senhor estaria doente", estranhando não o ver da janela, sentado à mesa da cozinha, a jantar às 18h30 em ponto, como era sagrado. Ou por que razão, não parando de chover há dias, a janela do quarto continuava aberta dia e noite.

Lucília, a vizinha do rés-do-chão que todos tratam por Chila, ainda frequentou a casa do casal e foi companhia no café, mas já vão longe esses tempos. À medida que Manuela ia ficando mais em baixo, ia-se afastando, em trajectória inversa às fragilidades da vizinha do 4.o andar. "Já era doente e comecei a sentir que estava a viver muito a vida dela." Há anos que Manuela frequentava consultas de psiquiatria e vivia sob o efeito de antidepressivos, calmantes e ansiolíticos. Segundo Sandra, terá tentado duas ou três vezes o suicídio, vezes suficientes para a filha achar que era "egoísta". "Achava que a tristeza dela devia vir de algum lado. Mas ela não contava, não se abria. Sugeri que fosse a um psicólogo e ela disse-me: vou lá contar a minha vida a alguém", lamenta Lucília. Numa das últimas idas à psiquiatra, Manuela saiu com nova receita: doses cavalares de Diplexil, Morfex e Diazepam - um antiepiléptico e dois ansiolíticos.

Os vizinhos recordam-na a cair pelos cantos, a andar de lado, com os movimentos presos ou arrastando a voz. A perda de equilíbrio provocada pelos medicamentos chegou mesmo a despertar na vizinhança a tese de que andaria alcoolizada. Segundo Sandra, Manuela deveria estar a fazer um tratamento que funciona como uma espécie de semicoma: horas e horas a dormir. O problema é que não ficava em casa e Ludgero, cansado de a ver aos caídos, lhe ia cortando a medicação.

A depressão obrigou Manuela a pôr baixa médica atrás de baixa médica. Forçada a voltar ao trabalho numa clínica do IPO de Lisboa, não resistiu à sonolência provocada pelos barbitúricos: à terceira vez que adormeceu ao volante, o carro foi directo para a sucata. Continuou a trabalhar mas ia de táxi: o salário nem dava para pagar essa despesa.
À medida que os anos iam passando, eram cada vez menos os que batiam à porta do 4.oC. Lucília afastou- -se. A filha de Ludgero, que as vizinhas dizem viver em Inglaterra, nunca ali foi e a filha de Manuela, se foi, nunca foi vista. Ela, mesmo sob o efeito de sedativos, não dispensava a ida ao café, ao supermercado e à boutique do bairro: era consumista compulsiva, a ponto de comprar até o que não lhe servia. O armário era repetitivo: calças e camisolas largas, acetinadas. Pelos cantos, como engordara muito com os medicamentos, já só lamentava não encontrar camisolas de algodão para o seu tamanho. Ele, reformado da banca, há para aí três ou quatro anos que só era visto à noite, a passear o cão na praça junto ao prédio. Passava os dias em casa, a grelhar entrecosto para o jantar - a única refeição que faziam -, ou a ouvir as músicas do VH1, deitado na cama, cinza do cigarro a cair e a esburacar os lençóis. Só quando precisava de fazer exames abria uma excepção à clausura. Os vizinhos suspeitavam que teria um problema nos intestinos, porque andava amarelo e de barriga inchada. A Sandra e Paulo, os poucos que eram visita do casal e viam Ludgero correr para a casa de banho oito vezes numa noite, contaram que os resultados dos exames foram inconclusivos. Os amigos sugeriram um teste do HIV: nunca chegaram a saber o resultado.

Estavam sentados numa mesa do café da esquina quando o casal Matias pôs os olhos neles. Um dia o cão era tema de conversa e de afagos e no outro estavam a jantar lá em casa. "Eles connosco eram pessoas normais, estavam felizes", recorda Sandra, há mais de uma hora a chorar ininterruptamente. O frigorífico e a arca estavam carregados de comida mas, sempre que eram convidados, o jantar era o mesmo, acabado de comprar no supermercado: entrecosto grelhado e batatas pré-fritas congeladas. Manuela dizia que assim era mais rápido, não precisava de descongelar. Sandra e Paulo já reviravam os olhos ao entrecosto, mas, como gostavam da companhia, nunca recusaram. Depois do jantar, ficavam até às 3, 4 da manhã, a falar sobre a vida ou a ter discussões esotéricas: Ludgero e Manuela acreditavam na vida para além da morte. Sandra e Paulo eram os companheiros mais improváveis: uns bons 20 ou 25 mais novos, viviam entalados no prédio de habitação social mais problemático da zona e estavam longe de ter boa fama na vizinhança. Aparentemente, à superfície, nada havia de semelhante entre um casal e outro. Apesar disso, nunca ninguém chegou tão próximo.

Aos poucos, os acontecimentos iam encaminhando o casal para a tragédia. O primeiro baque veio com a morte da irmã de Manuela, um fim relâmpago depois da notícia de um cancro da mama. No dia do funeral, concentrou- -se num só detalhe: depois da doença que a tornara quase irreconhecível gostara de a ver no caixão "muito compostinha". A filha parecia cada vez mais distante: numa das últimas idas à clínica onde ambas trabalhavam, para fazer um exame, Manuela saiu de rastos porque a filha nem sequer se aproximou. Em Agosto rebentou-lhes um cano na casa de banho. Ela passou a ir tomar banho a casa de Sandra e Paulo, ele começou a lavar-se com toalhitas. Nas últimas semanas, tinha chegado à caixa de correio uma carta da junta de aposentação: há anos que Manuela esperava por aquele momento, mas agora que ele estava próximo começara a fazer contas. A ideia de vir a receber ainda menos dinheiro, somada ao corte na reforma de Ludgero, destruía-a. Pelo meio dos jantares e conversas nocturnas, iam deixando desabafos: "Quando se acabar o cartão de crédito, não sei como vai ser."

A mudança nas rotinas de Sandra e Paulo foi o desastre derradeiro. Sandra arranjou trabalho em Agosto, em Lisboa. Manuela, mesmo assim, ficava no café à espera dela. Na última semana Sandra chegou mais tarde por causa de um congresso e Manuela ia-se arrastando, cada vez mais sozinha, carregando sacos de compras inúteis. Por dentro, em silêncio, o casal sabia estar mais próximo da morte.
"Sabíamos que quando fosse iriam os dois", desabafa Sandra. "Sinto-me magoado com eles. Ficámos a perder em todos os aspectos. Não deviam ter feito isto connosco", remata Paulo, num misto de revolta e inquietação por não ter feito mais. Na casa onde jazem sobre o sofá roupas do casal passadas a ferro, mais dois minutos de silêncio, lágrimas e angústia.

É quarta-feira e o casal não regressa nem telefona a avisar que adiou o retorno, ou a perguntar pelo Dusty. Sandra e Paulo começam a ficar inquietos: tudo parece confirmar os seus instintos. À noite tentam ligar para Manuela e Ludgero: os dois telefonemas vão directos para a caixa de mensagens. Vão ao prédio e falam com a porteira e com Lucília, que também tenta ligar, mas não consegue. Na sexta ligam pela primeira vez para a PSP a relatar o desaparecimento. Quem atende dá uma resposta brusca: "Há algum cheiro no prédio? Vocês nem sequer são família e eles são maiores e vacinados."

A essa hora, se a morte tiver sido imediata, já os corpos deitados nos lençóis começavam a entrar em putrefacção. Mas se a dose de comprimidos tiver sido mais reduzida, o processo pode ter sido tão lento que naquele momento os corpos ainda podiam estar em coma e agonia. A morte, dizem os investigadores, não é um momento, mas um processo.

A partir daquele momento não houve dia que São, a porteira, não espreitasse pelo buraco da fechadura. Tudo escuro. Sandra e Paulo ligam de novo para a PSP, que volta a pedir nome, contacto e morada e promete ligar de volta. Nunca ligaram e o casal começou a pensar que o problema estava na morada, que remetia para o prédio problemático em que os bombeiros tinham de transportar macas pelas escadas até ao 9.o andar porque os elevadores só funcionaram nos primeiros meses. Também chegaram a ligar para a Polícia Judiciária, que, depois de repetir as mesmas perguntas, os aconselhou a contactarem a PSP. Sandra insistia ter indícios de que o desaparecimento tinha sido planeado. Nada aconteceu.

Só quando o calor voltou, depois de uma semana de chuvas e temperaturas frias, um ligeiro cheiro a podre se infiltrou no prédio. As moscas varejeiras, que as superstições associam à chegada de uma carta ou de uma novidade, começavam a rondar o edifício. As vizinhas subiam e desciam vários andares para espreitaram o apartamento de vários ângulos, com olhar de corujas. Até que a do 6.o andar teve uma ideia: amarrou a trela da cadela a um espelho e fê-lo descer lentamente até à janela do quarto do casal. Quando o objecto tocou no cortinado salmão que há duas semanas baloiçava, do lado de fora, para cá e para lá, um enxame de varejeiras saiu do quarto e um cheiro agoniante começou a subir. De lá de dentro não conseguiram ver nada.

Na quarta-feira, 18 dias depois da última vez que tinham sido vistos, São anda pelos corredores a limpar o prédio e com vontade de vomitar. A vizinha do lado também já não aguenta e corre para a PSP: tinham de ir lá, já.
A essa hora, os tecidos estavam em total decomposição. A pele enchera-se de bolhas e rebentara com a pressão dos gases, que libertam uma mistura nauseabunda de gás sulfídrico, metano e amónio. Um elemento da PSP quebra o silêncio para fazer uma só pergunta às vizinhas: "Eram brancos ou pretos?" As bactérias famintas deixam os cadáveres irreconhecíveis.

O que tinha acontecido no 4.oC do prédio de 90 apartamentos? Uma equipa conjunta da brigada de homicídios e da polícia científica ainda estava no terreno a investigar e já a vizinhança encontrava as suas respostas.
Manuela e Ludgero sabiam que iriam morrer e planearam-no com minúcia e requinte. Não foi só o cão que foi entregue para que não morresse, também ele, à fome e à sede. Os telefones foram desligados, a viagem foi encenada, a mala, deixada na sala, estaria de facto vazia. Na mesa-de-cabeceira, ao lado da cama, uma carteira guardava todos os documentos de identificação e cartões bancários.

Mas como poderia Manuela estar tão calma e silenciosa antes de morrer? Teria sido um plano a dois ou Ludgero, um homem "à antiga", "azedo" e com um grande ascendente sobre ela, tê-la-á convencido prometendo-lhe um futuro novo e mais feliz? Que desgraça determinou que aquele seria o momento?
Os investigadores não suspeitam de outra hipótese que não um duplo suicídio. Não havia indícios de confronto, desalinho ou desarrumação. Os corpos contam que terão morrido em horas próximas, mas quem morreu primeiro, ou como tudo se precipitou, ali ficará enterrado, num sigilo que as paredes não irão violar.

No café mais próximo suspira-se e murmura-se: "Ninguém devia morrer sozinho." Manuela e Ludgero não o quiseram. À hora que tinham planeado, àquela hora em ponto, depois do último cigarro, fumado ali mesmo, na cama, engoliram com a ajuda de um copo de água uma dose brutal de comprimidos. Terão passado dias, talvez meses, a planear aquele momento. Não haveria mais depressão, nem dores, nem doenças, nem famílias ausentes, nem solidão.
Terá sido Ludgero, que deixara escapar em conversa com Sandra já ter experimentado os comprimidos da mulher, a estudar a dose certa para não falhar. Manuela planeara tudo para que pudessem ser encontrados quatro dias depois, dia em que voltariam da tal viagem, ainda a tempo de ser enterrada "compostinha", como gostara de ver a irmã na hora da morte. Aqui o plano falhou.

A janela continua aberta, com o cortinado do lado de fora. A caixa de correio está a abarrotar, com publicidade, cartas do hospital para ela e da União de Créditos Bancários para ele. As luzes, que tinham ficado acesas depois da visita dos inspectores, foram finalmente desligadas porque um irmão de Manuela se encarregou de desligar o quadro, do lado de fora do apartamento. Lá dentro, nunca mais ninguém entrou.
Manuela e Ludgero fechavam sempre a porta por dentro, mesmo quando estavam em casa. No dia em que a polícia chegou estava apenas no trinco.


acrobacia #10



Cavaco Silva visitou Manoel de Oliveira por ocasião do seu 105º aniversário. Curiosamente pela foto do encontro eu não acertava quem é que é mais velho.

turn on the bright lights #0

Mesmo que com muito menos frequência do que o que gostaria, gosto de aproveitar o blog para publicar dados menos conhecidos sobre a evolução urbanística da cidade e a sua relação com o edificado. No entanto, gostava de fazer um parêntesis para numa cedência a um lado mais "mainstream" publicar algumas fotos que tenho tirado a seguir ao pôr do sol. Não que isso vá acrescentar alguma coisa coisa de fundamental, visto que não faltam coisas no género nos outros blogs e Facebooks, mas seria um desperdício gostar de fotografar em Peniche e não captar estas composições.

turn on the bright lights #1


Uma boa notícia: esta sexta-feira a seguir ao Jornal da Noite um painel de quatro individualidades moderado por Rodrigo Guedes de Carvalho vai discutir soluções para o fim da crise.
Uma péssima notícia: o painel é este.

Barack Obama está a ser notícia por ter cumprimentado Raul Castro, depois de décadas de tensão entre os países que governam. No entanto, eu queria sobretudo realçar a forma como o presidente norte-americano sobe as escadas. Parece um ponta-de-lança a entrar no relvado para disputar a final do Mundial. É assim que um líder mundial deve subir umas escadas.


Uma das últimas obras da Junta de Freguesia de São Pedro da Conceição foi o arranjo de uma esquina do cemitério. Uma obra que não deverá ter exigido muito dinheiro e fez uma diferença enorme no meio em que se insere.  São as pequenas intervenções com esta oportunidade e integração que dão qualidade a uma povoação.



A morte de Nelson Mandela fez-me lembrar uma coisa que já há muito tempo não se faz aqui em Portugal: o minuto de silêncio. Alguma coisa tinha de melhorar com o tempo, e felizmente já passaram muitos anos desde a última vez que tive de aturar essa parvoíce.

1967 Mercedes 250S - $900

Porque é que perco horas de volta de um automóvel com 33 anos mesmo sabendo que não vou conseguir sozinho arranjar tudo o que lhe falta para passar na inspeção? Porque é que com o dinheiro com que poderia comprar um carro em muito melhor estado só penso em comprar as peças que lhe faltam? O texto que melhor explica que há algo mais aqui que muito tempo e dinheiro mal gastos é este anúncio a um Mercedes de 1967 publicado no Craiglist:



Four speed manual transmission, engine was swapped for a 2.8L. Comes with several boxes of extra parts, and a spare set of wheels with studded snow tires. This car is driveable but the alternator output is weak. Requires a couple minutes to warm up in the morning. Shifter is loose and the gears are a little tricky to find. You have to stand on the clutch to shift gears. This is really a parts car - unless you truely want a project.

This Mercedes has no seatbelts in the back, and the ones in the front are of the airliner lap-best variety. There are safer cars out there for sale. Cars with thick slab like steel pillars cocooning you from the outside world. Cars with 7 airbags. Cars with airbags for your knees. They have fancy GPSs that will tell you where you should go; they have systems that will brake for you, before you even notice that the car in front of you is slowing down.

This Mercedes has none of those things. This Mercedes barely even has brakes. This Mercedes doesn't even have a conventionally operational heating system, or a radio. There are no power windows, locks, or mirrors. This car does not have seven airbags.

And those other cars, Their horns make cute little beeping noises, so considerate to not be rude. They don't have horns that sound with the arrogance and fury of some long dead Mongol warlord. They don't come with apocalyptic snow tires, all spikes and brutal tread. You cannot fix those cars on the side of the road, using a wrench as a hammer. Those cars will never force you to think, never allow you to exercise your own ingenuity. In those cars you can't stand up illegally through the sunroof from the back seat, and watch the moon with the cool night air blowing through you air.

Richard Nixon once said "Human existence is in the struggle." You could buy a car that will try and hide you from all the dangers of the world, but it won't save you; all the alarms, all the air bags, and the low sodium lattes in the world won't save you. Some day you will die. But at least you can die with the wind in your hair.

Alternatively it would make a good parts car.